Vida de Solteira – 3: O desconhecido

homem pensativo observando computador

Júlia

Eu nunca pensei que iria ao Festival de Verão. Fui uma vez quando namorava Diego, depois que ele insistiu muito, mas odiei. Muita gente, empurrões, bêbados. Carol estava insistindo para que eu fosse com ela, mas eu não queria ir de jeito nenhum.

O que eu ia fazer? Passar a noite levando empurrões? Ouvindo cantadas de bêbados?

Acontece que Carol falou uma coisa que me fez reconsiderar. A possibilidade de encontrarmos Diego. Era provável que ele estivesse na festa e precisávamos conversar. Esse nosso término não tinha lógica, era um surto momentâneo. Tenho certeza de que uma conversa resolveria tudo.

Escolhei um vestido preto, curto, de alcinha, que ganhei da minha mãe no Natal, e uma sandália, com um salto enorme, dourada. Ela maltratava meus pés, mas Diego adorava me ver de salto.

Chegamos à festa e não acreditei quando meus olhos o encontraram. Só podia ser coisa do destino. Ainda mais por ele está usando a camisa que eu dei no nosso aniversário de namoro. Não escutei as reclamações de Carol e fui correndo falar com ele. Em alguns minutos Diego voltará a ser meu namorado, tenho certeza.

– Oi. Quero conversar com você.

– Diz, Júlia. Você aqui? Que milagre é esse?

– Eu vim pensando em te encontrar. Precisamos conversar. Você não tá sentindo a minha falta?

– Júlia, não acho que seja uma boa hora para conversarmos. Eu não tô querendo nada sério agora. Nosso namoro tava muito chato, parado, sem graça. Estou melhor assim.

– Então não tá sentindo a minha falta? E por que você dizia que me amava, que ia casar comigo?

 – Ah, Júlia. Era você quem falava em casamento. Eu só escutava.

– Só escutava? Você disse que podíamos marcar a data.

– Porque eu sabia que você ia brigar se eu não concordasse e não estava com paciência para confusão.

– Então foi tudo mentira? Você nunca me amou?

– Acho que são apenas visões diferentes. Você se liga muito nesses detalhes. Se é amor, se não é amor. Para mim foi legal e agora acabou. Entendeu?

Senti a raiva queimar meu estômago. Não fazia nem um mês que o infeliz jurava me amar mais do que qualquer coisa no mundo. Quando eu comprei a camisa que ele está usando, ele disse que eu era a mulher dos sonhos dele. Paguei R$ 190,00 na porcaria da camisa.

– Vou indo nesse, Júlia. Qualquer dia você entende que a gente já era. Mas podemos ficar uma vez ou outra. Eu sei que você ainda gosta de mim, acho que vai se sentir melhor assim.

Não foi só o fato de ter descoberto que vivi uma mentira, foi o jeito que ele pisoteou no meu coração.

A camisa dele começou a sorrir de mim. Ela gargalhava lembrando dos R$ 190,00 que paguei. Sem falar dos R$ 785,00 que eu ainda precisaria pagar.

Primeiro eu pedi que ele tirasse a camisa. Diego adorava andar sem camisa, exibindo os músculos na rua. Não seria um grande problema para ele. Mas ele se recusou. O que me fez pedir a ajuda de Carol para rasgá-la.

Com certeza haverá quem ache errado o que eu fiz. Mas, de todos os arrependimentos que carrego comigo, ter rasgado a camisa, definitivamente, não é um.


Carol

– Acho que encontrei a vendedora virtual ou estou enganado? – ele disse e fiquei sem reação.

Pessoalmente a beleza impressionava ainda mais.

– Oi. Pode ser que esteja enganado. Qual seu nome?

Falei quase gritando por causa do som alto.

– Rodrigo!

A voz era grave. Sorri para ele. Mas na verdade eu queria dizer: “faz isso não, é muita maldade”.

– Quem é esse, Carol? – Júlia entrou na conversa com seu jeito delicado.

– O menino do perfume.

– Ai meu Deus! O bandido. Já não basta ter meu coração esmagado, ainda vou ser assaltada pelo bandido do perfume.

Rodrigo gargalhou diante da reação exagerada de Júlia.

– Vamos correr. Deve ter um segurança em algum lugar por aqui.

Júlia ainda estava descompensada por causa de Diego.

– Eu não sou bandido, nem assaltante. Acho que já menti algumas vezes para meus pais, mas, fora isso, não lembro nenhum outro delito grave que tenha cometido.

– E o que você quer? – ela perguntou.

– Conversar com sua amiga sobre o produto que ela está vendendo. Você deixa? Só um minutinho. Prometo não atrapalhar muito a festa de vocês.

– Fale logo, então. O produto é meu. Comprei para o meu ex-namorado. Dividi em 10 parcelas. E sabe o que ele fez? Terminou comigo. Disse que tá melhor sozinho. Você já ouviu isso de alguém? É pior do que pagar as parcelas do perfume.

– Agora fiquei com medo de comprar esse perfume – ele falou tentando conter o sorriso.

– Júlia, assim vai ser difícil vender. Bom, o preço é aquele que te falei. Qual seria a sua proposta?

Antes que ele respondesse, Júlia interrompeu.

– Carol, vamos dançar. Se ele quisesse comprar teria ido quarta-feira. Isso tudo é conversinha.

Júlia me puxou e Rodrigo nos acompanhou.

Ele ficou na pista de dança com nós duas. Não demorou nem cinco minutos e um garoto veio chamar Júlia para dançar. Surpreendentemente, ela foi. Percebi Júlia gesticulando e falando sem parar. O assunto, certamente, era Diego.

– Vamos dançar também? – Rodrigo falou logo que ela saiu.

Ele me conduziu numa dança lenta e começou a falar.

– E aí, vamos negociar o perfume? Preciso dele para o próximo sábado. É o aniversário do meu irmão e será o presente dele.

– Estou autorizada a vender por R$ 700,00. Valor abaixo disso só negociando direto com Júlia.

– Eu vou comprar pelos R$ 700,00 mesmo. Não acho que seja uma boa opção falar com sua amiga. Ela pensa que eu sou um assaltante.

– kkkkk. Não fique chateado. Júlia sempre foi muito desconfiada e está passando por uma situação bem delicada.

– Isso explicaria o que vocês fizeram com o menino? Fiquei com pena dele.

– Você viu? Aquilo foi um caso bem isolado. Jamais fizemos nada parecido antes.

– Eu vi você um pouco antes de começar a confusão. Estava me aproximando, quando vocês atacaram o pobre rapaz. Mas não precisa se preocupar, eu acredito que foi um caso isolado. Nem passou pela minha cabeça contestar, tenho amor pela minha camisa.

Sorri.

– Sei que foi um ato exagerado, mas Diego não é nenhum coitadinho.

Rodrigo também sorriu e continuamos dançando. Ele tinha 25 anos, morava sozinho numa área nobre da cidade, era analista financeiro, fazia mestrado e planejava abrir sua própria empresa.

Eu morava com meus pais, tinha passado no vestibular há um ano e perdido dois meses por causa de uma greve. Me senti na música Eduardo e Mônica, de Legião Urbana:

“Ela gostava do Bandeira e do Bauhaus,

De Van Gogh e dos Mutantes,

Do Caetano e de Rimbaud.

E o Eduardo gostava de novela

E jogava futebol de botão com seu avô

No caso eu era o Eduardo e ele a Mônica.

Um amigo de Rodrigo chegou e bateu nas costas dele. Paramos de dançar e ele manteve o braço sobre meu ombro. Eu me sentia estranha de ficar abraçada com ele. Se Vitor visse aquela cena, ficaria arrasado. Mesmo eu não tendo pretensão de voltar o namoro, não queria magoá-lo. Decidi falar com Júlia enquanto ele terminava de conversar.

Júlia tinha sentado no chão e continuava conversando com o mesmo menino. Eles falavam sobre relacionamentos arruinados. Tentei entrar na conversar, mas não recebi muita atenção. Rodrigo, já sem o amigo, se aproximou logo em seguida.

Em poucos minutos a festa acabou e combinei com Rodrigo de nos encontrarmos no outro dia para ele pegar o perfume.

– Até amanhã, menina linda.

Nos despedimos com um abraço demorado.

Chegamos em casa e todos dormiam. Tomei banho primeiro e fiquei esperando Júlia terminar para dormimos. Notei que ela saiu do banheiro com os olhos vermelhos. Perguntei se queria conversar, mas ela preferiu ficar em silêncio. Chorou com a cabeça no meu colo até adormecer. Era horrível vê-la naquele estado.

No outro dia de manhã, recebi uma mensagem de Rodrigo.

“Tudo certo pra hoje?”

Carol:

Sim. Só falta definir o lugar. Na praça de alimentação do shopping?

Rodrigo:

Não prefere ir jantar?

Aquele convite me pegou de surpresa. Percebi que a intenção dele não era apenas comprar o perfume.

Aceitei, me sentindo quase uma criminosa. Sair com outra pessoa, assim que você termina um namoro de anos, não é fácil. Ainda mais que a decisão foi minha. Só de imaginar na possibilidade de encontrar Vitor, eu ficava nervosa.

Não quis que Rodrigo me pegasse em casa para evitar que minha mãe ficasse perguntando quem era e pedisse um relatório completo da família dele. Além disso, ela ainda estava triste com o fim do meu namoro com Vitor. Disse apenas que ia jantar com uma amiga.

Cheguei ao restaurante às 19h30. Rodrigo já me esperava. Nos cumprimentamos com dois beijinhos no rosto. Ele puxou a cadeira para que eu me sentasse. Achei muito elegante e romântico. Sentia as emoções borbulhando.

Embora sair para jantar não fosse novidade, a situação de aparecer em público com Rodrigo causava reações conflitantes. Uma descoberta de um mundo novo.

Entreguei o perfume, ele pagou. Jantamos, conversarmos, Rodrigo pediu a sobremesa e quis me beijar. A sensação de ter ele se aproximando da minha boca fez meu coração ir à loucura, mas eu me afastei. Expliquei que havia terminado um namoro longo recentemente e ainda ficava um pouco constrangida de beijar outro em público. Ele se mostrou bem compreensível. Disse que foi noivo por três anos e quando terminou sentia a mesma coisa que eu estava sentindo.

Ficamos mais uns trinta minutos no restaurante e fomos embora. Rodrigo foi comigo até meu carro. Ele me deu um abraço.

– Adorei te ver hoje. Espero nos encontrarmos outras vezes – ele falou ainda abraçado comigo.

Na hora que fomos nos afastando, não resisti. Nossos rostos estavam tão próximos. O estacionamento praticamente vazio. Dei um beijo nele. Era para ser apenas um selinho, mas ele me abraçou e o beijo demorou mais tempo do que imaginei. Doce e ao mesmo tempo intenso. Não podia ser melhor. Eu estava ferrada.

Júlia estava me esperando. Não queria contar sobre o beijo maravilhoso. Ela ainda estava mal. Mas ao saber sobre a venda do perfume, ficou tão feliz que insistiu em saber todos os detalhes. Contei tudo, não escondi nada.

– Acho que você se apaixonou. Nunca te vi falar assim de ninguém.

– Sai dessa, Júlia. É porque ele é muito bonito e beija muuuiito bem.

– Sei. Vá com calma, amiga. Não quero que você sofra como eu estou sofrendo agora.

– Tá tudo bem, Juh. Não se preocupe.

Ela dormiu na minha casa e passamos uma parte da noite procurando na Internet mais informações sobre Rodrigo. Encontramos o irmão mais novo, tão bonito quanto ele, a ex-noiva e uma viagem programada para o carnaval em Salvador.

Enquanto isso, a única coisa que eu tinha planejado era assistir os desfiles das escolas de samba, na televisão, com Júlia. Mas ok. Só ficamos uma vez. Talvez nunca mais nos falássemos. Vida que segue. Desisti de pesquisar mais coisas e fui dormir.

Eu já tinha decidido que ia ficar quieta. Não tentaria falar com ele para evitar me envolver mais. Mas, no outro dia, quando acordei, já tinha uma mensagem no meu celular.

“Bom dia para a linda vendedora.”

Respondi e passamos a semana conversando. Todos os dias ele me mandou mensagens e no final de semana me convidou para ir à festa de aniversário do irmão dele. Perguntei se podia levar Júlia e ele disse que não tinha problema.

Rodrigo nos apresentou como duas amiga e a noite toda ficou ao meu lado. Conversamos, dançamos, sorrimos, mas nada além disso.

A mãe e o pai dele demonstraram estar felizes com a minha presença. Como se eles soubessem que a nossa relação ultrapassava a amizade e gostassem disso. Apenas o irmão que me olhava meio estranho. Não entendi o motivo, talvez ele fosse fã da ex-noiva de Rodrigo.

Às 23h, Rodrigo foi nos deixar em casa. Primeiro passamos em Júlia e depois fomos para minha casa. Ele estacionou o carro em frente e ficamos nos beijando. Começou delicado, depois foi esquentando e a mão dele subiu sorrateiramente pela minha coxa. Segurei, para impedir que continuasse subindo, ele sorriu e não tentou mais avançar o sinal.

Passamos quase uma hora em frente a minha casa. Não demorei mais com receio da minha mãe ou do meu pai aparecer e causar um constrangimento enorme.

– Vou entrar agora. Já é bem tarde.

– O último beijo e te deixo ir.

Nos beijamos a última vez e, mesmo parecendo burrice, saí daquele carro acreditando ter encontrado a pessoa dos meus sonhos.

Dormi feliz e decidida a convidar Rodrigo para o aniversário de Júlia.

Esperei ele falar comigo na segunda, mas não recebi nenhuma mensagem. Achei que eu estava cobrando demais de uma relação que ainda não era nada. Fiquei calma e esperei.

Chegou a terça-feira e aconteceu a mesma coisa. Nenhuma palavra.

Quando foi na quarta, já um pouco desesperada, eu mandei uma mensagem.

Oi. Bom dia.”

Ele só respondeu à noite.

“Oi. Desculpe responder seu bom dia com boa noite, mas só tive tempo agora.”

Eu sabia que era mentira. Vi que ele estava online no WhatsApp várias vezes durante o dia e não precisaria mais do que alguns segundos para responder o meu bom dia.

Ainda assim, avisei sobre o aniversário de Júlia. Disse que não sabia onde seria a comemoração, mas que ele estava convidado.

Ok.”

Foi a única coisa que ele disse.

Fiquei pior do que imaginei. Júlia tinha razão. Eu estava apaixonada e nem um pouco preparada para as novas atitudes de Rodrigo. Me obriguei a não mergulhar na tristeza e manter a concentração no aniversário da minha melhor amiga.

Eu e ela decidimos ir a uma prévia de carnaval bem tradicional na cidade.

Na quinta de manhã, fomos alugar as fantasias. Depois de muitos “não sei”, “será que essa ficou melhor do que aquela”, “tô achando pequena”, “essa tá grande”, escolhemos ir de máfia. Uma saia preta, blusa branca com uma gravatinha vermelha, meia calça preta e um chapéu vermelho com preto.

Já cheguei à festa procurando o banheiro. Um fio da meia calça estava começando a desfiar e eu precisava ajeitar, antes que ela se destruísse.

Júlia disse que ia comprar uma bebida e me encontraria na saída do banheiro.

Allah-lá-ô ô ô ô ô ô ô

Mas que calor ô ô ô ô ô ô

A música estava animada e eu também. Não queria pensar em nada que pudesse me deixar triste.

Comecei a dançar no ritmo da marchinha e já podia ver a porta do banheiro, quando um Salva-Vidas e uma Mulher Maravilha, que estavam se beijando bem no meu caminho, destruíram a minha alegria.

Não sei quanto tempo fiquei parada olhando. Mas foi suficiente para ele me ver. Rodrigo ficou meio pálido, assustado. Encarei ele por alguns segundos e consegui andar. Precisava ser forte. Não podia chorar de jeito nenhum. Minha maquiagem, bem marcada nos olhos, ficaria destruída.

Entrei no banheiro e me concentrei em frente ao espelho. Respirei fundo, ajeitei a meia e saí.

Rodrigo estava parado em frente a porta.

– Carol, posso falar com você?

Continua…


Plá

Cuidado! O Desconhecido é mágico, mas pode te machucar.

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