Vida de Solteira – 5: Se eu tivesse ficado em casa

garota adolescente
Foto de @viieiraanaa

Júlia

Eu e Carol saímos correndo do quarto. Giana estava apavorada e apontava em direção à sala. Não foi a melhor visão para começar o dia. Ele balançava seu membro sexual (semiereto) de um lado para o outro numa espécie de dança e gritava:

– Vem cá, neném.

Morávamos em um condomínio de casas. Não havia restrição de acesso entre uma casa e outra, apenas um espaço de aproximadamente três metros – como se fosse uma rua – separava os jardins.

Giana saiu para regar as plantas e esqueceu de trancar a porta da sala. Foi a oportunidade que nosso vizinho queria.

Seu Fabiano tinha uma barriga saliente e cheia de pelos brancos, o rosto rosado e mais de 80 anos. Ele morava com a filha mais velha e enfrentava alguns problemas de saúde. Não sei ao certo, acho que era Alzheimer. Ele já tinha fugido uma vez do condomínio e a filha dele contou a minha mãe que acordou um dia com ele segurando o pescoço dela, dizendo que ela era uma assaltante… Eu só não esperava que ele fosse aparecer, nu, na sala da minha casa, querendo agarrar Giana.

– Seu Fabiano, vá embora! – falei

– Só saio daqui se ela for comigo – ele apontou para Giana.

– Eu não vou com o senhor pra lugar nenhum. Pode ir embora.

Pedi a Carol que fosse avisar à filha dele. Seu Fabiano começou a fazer uma espécie de dança do acasalamento. Mexia o quadril para cima e para baixo e tudo se balançava. Foi traumático. Ainda bem que elas chegaram logo.

– Meu Deus! Papai, o que o senhor está fazendo? – Fábia, a filha dele, falou apavorada.

Seu Fabiano olhou para a filha, muito sério, e disse:

– Eu vou me casar. Você está de olho na minha herança, por isso não quer que eu me case.

Fábia, após o primeiro impacto, soube lidar bem com a situação. Disse que ia fazer a festa de casamento dele e que Giana iria depois, porque ela precisava colocar o vestido de noiva. Giana confirmou e seu Fabiano aceitou voltar para casa.

Giana e Carol tiveram uma crise de riso. Eu continuei um pouco assustada, pensando em como garantir uma maior segurança. Já imaginou se fosse alguém mais perigoso? E se virar costume um morador invadir a casa do outro? Não pode ser assim.

Faltava menos de uma semana para o carnaval e não tínhamos ideia do que fazer. Por mim eu teria ficado em casa, mas Carol queria sair de todo jeito e estava quase me convencendo.

Diego continuava sendo a minha principal motivação. Queria mostrar para ele que eu estava bem, ainda que fosse mentira. Precisava de fotos novas: sorrindo, pulando na praia, feliz, cercada de pessoas tão felizes quanto eu…

Carol também queria demonstrar a tal felicidade para Rodrigo, mas ela não tinha limites. Se alguém dissesse que uma banda de lata ia tocar no meio de um temporal, com raios e trovões, ela queria ir e me convencer que seria perfeito. O bom senso dela não existia mais.

Na quinta-feira, antes do carnaval, ela começou a me perturbar com mais persistência.

– Júlia, sábado vai ter o primeiro bloquinho de rua. Nós vamos, neh? Vai ser maravilhoso. Pessoas bonitas, educadas e inteligentes. Os meninos mais bonitos do BRASIL brincam carnaval nesse bloco.

– Não sei, Carol. Nunca fui pra esses blocos de rua. Não sei se é seguro.

– Afff. Claro que é, Júlia. Desse jeito você vai ficar solteira pra sempre.

Ela exagerou, mas o “solteira pra sempre” me deixou com medo. Sempre sonhei em casar e imaginei que já tivesse encontrado meu marido. E agora estava solteira e sem nenhuma perspectiva.

– Tudo bem, eu vou! Mas se for ruim, nunca mais me chame para nada.

– Te amo, Juh!!! Vai ser perfeito. Você vai ver.

No sábado de manhã, Carol chegou lá em casa com uma sacola cheia de acessórios. Ela pegou, na Internet, várias fotos de maquiagem de carnaval e comprou uma caixa de glitter, dizendo que era um item essencial. Depois do almoço, comecei a escolher a roupa e Carol foi fazer o teste da maquiagem.

– Juh, você vai ficar linda. Vou colocar o glitter azul, acho que destaca melhor em você.

Resultado. Fiquei parecendo um Smurf.

– Meu Deus! Olhe isso, Carol. O monstro da cabeça azul.

– É… não ficou muito parecido com a foto.

Ainda tentamos algumas vezes e decidimos que era melhor fazer o simples. Uma sombra brilhosa, umas pedrinhas na testa e nada mais. Exagerar, quando você não sabe como fazer, não é uma boa ideia.

Chegamos à concentração do bloco “Um amor para chamar de meu” dez minutos depois do horário marcado. Uma multidão já tinha se formado e uma banda começava a dar as primeiras batidas. Fiquei pensando como aquela enorme quantidade de pessoas conseguiria passar ao mesmo tempo por ruas tão estreitas, mas, certamente, eles tinham alguma técnica.

Quando o bloco saiu, descobri, do pior jeito, qual a técnica utilizada.

A banda de música começou a andar e Carol quis ficar bem atrás dela. Uma das piores ideias que ela teve na vida.

Me espremeram de um jeito que eu flutuei. A multidão nos jogava de um lado para o outro. O tempo todo mantive o pescoço esticado, procurando um pouco de ar. Quem me olhasse ia pensar que eu estava fazendo um treinamento para ser filhote de girafa. Como se não bastasse a situação em que nos encontrávamos, um “espertão” teve a brilhante ideia de começar a pular bem na minha frente. Meus pés? Até hoje estou tentando encontrá-los. Só consigo ver unhas pretas e manchas roxas.

– Carol, eu vou morrer! Vamos sair daqui.

Ela sorria e achava tudo muito engraçado. Uma criança boba descobrindo um mundo novo. Não tinha paciência para as coisas de Carol. Eu devia ter ficado em casa.

Infelizmente, andar contra a multidão era mais difícil do que seguir o fluxo, por isso tive que permanecer.

Após uma peregrinação de séculos, consegui tirá-la do meio da multidão. Paramos numa praça, com várias pessoas sentadas na grama, que observavam os blocos passarem.

– O próximo que vier a gente acompanha, neh?

– Calma, Carol. Acabamos de sentar. Quero descansar um pouco.

Ela concordou e começou a se lamentar.

– Não sei o que está acontecendo. Ninguém olha para mim. Será que é a maquiagem?

Só Carol para pensar em ficar com alguém, enquanto leva cotoveladas e pisões nos pés.

– Eu não sei. Só sei que mais um pesadelo se aproxima.

Vi Rodrigo andando na nossa direção. Carol ficou apavorada. Não entendi o que ele estava fazendo ali. Vimos uma publicação dele, na Internet, falando que ia para o carnaval em Salvador.

– Posso sentar um minuto? – ele perguntou olhando para Carol.

– Por mim, não!

Eu não gostava dele e não fazia nenhuma questão de esconder. Odeio meninos que se fingem de apaixonados e depois somem sem dizer nada. Num dia, mensagens de amor, saudades; no outro, um silêncio completo, como se nunca tivessem dito nada. E Rodrigo ainda era amigo de Vitor, ex de Carol.

– Se você sentar, procuramos outro lugar para ficar. Não tem problema, a praça é grande.

Carol respondeu friamente, mas eu sabia que Rodrigo ainda mexia com ela.

– Carol, eu não sou amigo de Vitor. Meu irmão mais novo quem conhece ele. São colegas de estágio. Quando ele te viu no aniversário do meu pai, pediu que eu me afastasse de você, porque Vitor ainda estava muito mal. Foi por isso que não falei mais nada. Não quero que fique chateada comigo.

 Aff, mentiroso. Não caia nessa, Carol. Permaneci quieta, mas internamente eu gritava.

– Obrigada pela preocupação, Rodrigo. Está tudo bem.

– Posso ficar um tempo com vocês?

Não, idiota. Vá embora.

– Príncipe? Tá fazendo o que aí? Você demorou tanto que vim te procurar.

Uma mulher, no estilo modelo de passarela, apareceu chamando Rodrigo de príncipe. Não acredito que ele tinha uma namorada esse tempo todo.

Parei para falar com duas amigas minhas.

Olhei para Carol. Ela já estava em pé.

Continua…


Plá (Júlia)

Na dúvida, eu não vou mais. Você pode arriscar, mas saiba que as consequências podem ser perigosas.