Quarentena e um velho ditado

ilha deserta

Primeira coisa, o nome “quarentena” é uma particularidade. No começo, ao ouvir quarentena, imaginava quarenta dias. Bom, já sabemos que não é bem assim. São quatorze, quer dizer, à princípio, talvez chegue aos quarenta ou, até mesmo, ultrapasse. Ou seja, é uma expressão genérica, serve para quinze, vinte, inclusive quarenta.

Segunda coisa, será que o ditado “antes só do que mal acompanhado” foi inventado por alguém que estava passando por algo semelhante ao distanciamento social?

A história de hoje vai falar de Maria, uma pessoa mal acompanhada na quarentena.

As notícias da pandemia se espalhavam. Maria tinha uma viagem marcada com um grupo de amigos e não quis desistir. “Não vá, Maria. Isso já está chegando por aqui”. A mãe dela alertou, Maria achou um exagero e manteve a viagem.

O motivo principal da não desistência: Germano. Alto, bronzeado, atlético, olhos claros. Os dois se conheciam há cincos anos. Maria viu na viagem uma oportunidade de se declarar. Ela havia dado algumas indiretas ao longo desses anos, contudo Germano permanecia alheio, o interesse dele se limitava a festas e mulheres, nenhuma com o nome de Maria.

O grupo de dez amigos, entre eles Maria e Germano, iniciaram a viagem para a praia às seis horas da manhã. Estavam num ônibus alugado que os levaria até a praia do Caranguejo. Chegando lá, pegariam um barco para o resort Cauí, localizado na ilha das Esmeraldas.

No barco, músicas, bebidas, brincadeiras, tudo ocorrendo dentro do esperado. Maria radiante de alegria, as conversas com Germano, mesmo com as constantes interrupções dos amigos, estavam melhores do que ela esperava. Desembarcaram, cada um com suas malas. Foram direto para a recepção do hotel fazer o check-in.

A recepcionista parecia um pouco assustada, se manteve a um metro distante do balcão. Para recolher as assinaturas deles, esticou o braço o máximo que pôde, pediu que passassem álcool em gel nas mãos e perguntou se havia alguém com sintomas de gripe.

“Sintomas de gripe? Isso aqui é um resort ou um hospital? Eu quero saber das festas. Quem vai tocar hoje à noite?” Germano falou com a sua animação peculiar.

“A gerência cancelou todos os eventos dessa semana. Uma equipe, com as orientações necessárias, conversará com vocês na segunda sala, à esquerda, depois dos elevadores.”

Maria lembrou do que a mãe dela disse, mas logo afastou o pensamento, não haveria de ser nada, apenas recomendações corriqueiras. Afinal, todo hotel tem recomendações. Se convenceu por cinco minutos, até ser informada que ela e os amigos estavam presos no hotel por tempo indeterminado. Poucos minutos antes deles chegarem, foi confirmado um caso de COVID-19 entre um dos funcionários do resort. Por questão de segurança, a ilha foi isolada, apenas as embarcações que transportavam alimentos poderiam ter acesso.

“Infelizmente, é necessário que vocês fiquem nos chalés. Não será permitida a circulação na área comum do hotel, isso inclui as piscinas e os restaurantes. A saída para a praia também está bloqueada. Nossa equipe de funcionários foi reduzida, mas contamos com uma cozinheira que preparará as refeições de vocês e de outros dois chalés que também estão ocupados. Se alguém apresentar qualquer sintoma de gripe, por favor, contactar a recepção imediatamente.”

Maria e seus amigos entraram em desespero. Não poderiam sair, se divertir, nada de festas, sem falar do medo de ficarem doentes. Dividiram o grupo. Cada chalé acomodava, no máximo, quatro pessoas, então ficou definido dois grupos com três pessoas e outro grupo com quatro.

Na cabeça de Maria, a tragédia não era totalmente ruim, talvez fosse a oportunidade que ela tanto esperava para ficar mais perto de Germano. Maria estufou o peito e se preparou para a batalha. Nem precisou de muito esforço, a presença de Germano não foi tão solicitada pelos amigos. No final, ele, Maria e Lúcia ocuparam o Chalé número seis.

Os três não conversaram muito nas primeiras horas. Lúcia resolveu limpar o banheiro. Ela não confiou na limpeza anterior. Na correria para reduzir as atividades do hotel, a camareira poderia ter deixado passar algum detalhe. Esse pensamento a motivou a esfregar o piso e as paredes do banheiro. A limpeza, inclusive, seria de responsabilidade deles enquanto estivessem hospedados. O hotel apenas iria fornecer o material de higienização.

“Quer ajuda, Lúcia?” Maria perguntou, já que a conversa com Germano não havia prosperado.

“Não precisa, pode deixar comigo.”

Lúcia esfregava com tanta força que estava ofegante. Maria nem soube o que pensar.

Sem ter com quem conversar e sem nada para fazer, ela se deitou numa das camas e ligou para sua mãe. Ouviu vários “eu avisei” e outras tantas recomendações para evitar qualquer tipo de exposição. Uma certa melancolia quis invadir Maria, mas ela tentou ignorar. Pensamento positivo. O cansaço da viagem bateu, os olhos pesaram e antes que ela pudesse adormecer, começou a confusão.

“Louco é você, seu idiota! Isso é culpa sua! Eu disse que era melhor cancelar! Mas o sabidão aí garantiu que era seguro!”

“E era, mudou do dia para a noite.”

“Pessoal, calma! Não vamos brigar. Só vai pior a situação.” Maria tentou acalmar os ânimos.

Ela não sabia como havia começado a confusão e não quis perguntar.

Durante à noite, no completo silêncio, um grito de Germano. Ele estava dormindo e acordou fazendo um barulho alto, algo parecido com um grito engasgado. Maria e Lúcia ficaram apavoradas. Ele virou a cabeça na direção delas, abriu os olhos e voltou a dormir. A situação se repetiu mais duas vezes.

No dia seguinte, mais brigas de Lúcia e Germano. Ele ignorou o combinado para cada um lavar a louça que sujasse. À noite, nada de sono tranquilo, os barulhos provocados por Germano voltaram a se repetir.

No quinto dia, com o acumulado de brigas e noites em claro, Maria desejou nunca ter conhecido Germano. Se ele a pedisse em casamento, ela já teria a resposta pronta: homi, vá se lascar! Ela chorou com saudades de casa. Nunca um conselho ignorado doeu tanto e um velho ditado fez tanto sentido: antes só do que mal acompanhado.

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